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quinta-feira, 3 de abril de 2014

CULTURA

ZABÉ DA LOCA CHEGA AOS 90 ANOS COMO UM PATRIMÔNIO VIVO DA CULTURA
Chico César dedicou versos a tocadora de pífano pernambucana moradora de uma gruta



Aos 90 anos, Zabé da Loca passa o tempo vendo o tempo passar, da varanda da casa de alvenaria doada pelo Incra, à beira da estrada, onde mora há oito anos. Natural de Buíque (PE), vive desde a adolescência em Monteiro, no Cariri paraibano, onde foi “descoberta”, em 2003, pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário e pelo projeto Dom Helder Camara.
Sorridente, Zabé fala pouco. Josivane Caiano - percussionista, articuladora de cultura, vizinha e uma espécie de filha de consideração - diz que a moderação com as palavras vem do tempo do quase isolamento na loca onde Isabel Marques passou boa parte da vida e de onde saiu o apelido transformado em nome artístico. A gruta, ela já não visita há mais de um ano. O caminho de 200 metros da estrada até lá é serra acima, cheio de pedregulhos. Zabé também já não toca mais pífano, instrumento que a fez conhecida e que lhe rendeu o título de revelação da música brasileira, em 2009. Fumante desde os 7 anos, ela tem bronquite crônica e passou 22 dias internada no ano passado, tratando um enfisema pulmonar.

Mas o gosto pelas festas é o mesmo da juventude. No último aniversário, no começo do ano, foi dormir às 4h30. Quando relembra diz, rindo, que queria outra comemoração daquela. É nessas horas que a bem-humorada e ativa Zabé mais se parece com a adolescente que fugia de casa no meio da noite para dançar e tocar pífano e tudo quanto era instrumento de percussão no meio das festas, em meio aos homens, sem dar ouvidos a comentários machistas.

Josivane é filha, mãe, amiga e registro oral da memória de Zabé. Conta que nem a barriga grande da primeira gestação fez a menina, ainda Isabel, ficar longe dos festejos. “Para onde ela ia, levava o pífano. Naquela época, Zabé entrava na festa tocando e dançando. As bandas eram só de homens, imagina o que significava isso”, observa.

Na região, machismo é palavra que enraíza entre pedras, igual à vegetação local. Zabé não tinha muito mais que 16 anos quando engravidou pela primeira vez. “O fazendeiro que deu uma terrinha para o pai dela morar dentro das terras dele se engraçou dela e a engravidou. A mulher do fazendeiro a expulsou e o pai dela, pra não perder a casa e tudo mais, colocou-a para fora.
Ela veio para Santa Catarina (distrito de Monteiro), onde trabalhou nas terras de Manoel Soares, limpando o mato, plantando feijão, colhendo algodão… Foi aí que ela, que aprendeu a tocar pífano com o irmão aos 7 anos, conheceu um baiano, tocador de pífano, realejo e outros instrumentos de sopro e percussão”, conta Josivane.

Zabé casou com Delmiro e foi morar numa casinha de taipa. Delmiro morreu, a casa começou a ruir e Zabé decidiu morar na loca. A gruta formada por duas grandes pedras foi fechada por paredes de taipa que ela construiu. Ali, criou dois filhos e um sobrinho. A filha, fruto da primeira gestação, foi doada a uma família que foi morar em Brasília. Ela já tinha quase 70 anos quando conheceu a mãe. Morreu há dois com complicações cardíacas.

Na loca onde morou - Zabé conta que foram 25 anos, mas Josivane acha pouco provável e diz que pode ter sido muito mais, perto de 50 -, Isabel dormia em uma cama feita com finos pedaços de madeira postos lado a lado. Hoje, vive em uma casa de dois quartos, dorme em uma cama com colchão de espuma, ao lado de um pequeno santuário, onde guarda as imagens de São José e de Padre Cícero. Tem TV a cabo, mas não assiste.

No quarto de hóspede, os filhos de Josivane se revezam para não deixar Zabé sozinha à noite - é só um cuidado, mas ela nem liga. Nas paredes, títulos  e o cartaz do documentário O mundo encantado de Zabé da Loca, patrocinado pela Petrobras. Recebe três salários mínimos e é conhecida na região como mulher abastada. Parte da renda é investida por Josivane em um novo projeto social (o primeiro durou quatro anos), que ensina música, dança, poesia e teatro às crianças da região.

É o Projeto Zabé da Loca. Uma forma de perpetuar a arte da Isabel do Cariri e de manter firmes os laços do povo do semiárido paraibano com a cultura local.

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